4.2 Receitas estimáveis
RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS. ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2020. NORMAS DE REGÊNCIA. LEI Nº 9.504/1997. RESOLUÇÃO TSE Nº 23.607/2019 E RESOLUÇÃO TSE Nº 23.632/2020. IRREGULARIDADES. DOAÇÕES ESTIMÁVEIS EM DINHEIRO NÃO SATISFATORIAMENTE COMPROVADAS. DÍVIDA DE CAMPANHA NÃO ASSUMIDA PELO PARTIDO POLÍTICO. VALORES NÃO ÍNFIMOS TANTO EM TERMOS ABSOLUTOS QUANTO PROPORCIONAIS. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
1. A controvérsia em questão, conforme relatado, se cinge a avaliar a incidência ou não em duas irregularidades - i) descumprimento das exigências formais na arrecadação de bens e serviços estimáveis em dinheiro, nos termos do art. 53, inciso I, alínea 'd', da Resolução TSE nº 23.607 /2019; ii) existência de dívidas de campanha não assumidas pelo partido político, nos termos do art. 33, §3º da mesma Resolução -, assim como a repercussão de tais irregularidades, caso configuradas, no julgamento das contas.
2. Em que pese à adoção de uma sistemática ágil e preponderantemente eletrônica, isso não impede a realização de diligências específicas pela Justiça Eleitoral, para a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que devem ser apresentados, consoante o art. 66 c/c art. 69, ambos da Resolução TSE nº 23.607/2019, respaldados no art. 30, §4º, da Lei nº 9.504/1997.
3. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro devem ser comprovadas por documentos idôneos pelos quais se demonstre: i) que o bem integra o patrimônio do doador ou o serviço constitui produto das atividades econômicas do doador; ii) a avaliação do preço de mercado, com indicação da fonte; iii) a efetiva prestação do serviço ou o efetivo recebimento do bem.
4. Tal rigor probatório decorre da ausência de movimentação financeira nessas espécies de doação, o que impede o controle diretamente pelos extratos bancários, tendo em vista que os recursos financeiros devem transitar em conta bancária específica quando utilizados para adquirir bens ou serviços em favor da campanha.
5. No caso em exame, os valores glosados pela equipe técnica, relativos às doações estimáveis realizadas pelos doadores MÁRCIA MARIA JERÔNIMO DE LIMA, FELIPE CRUZ DA SILVA, RAYANNE DUARTE FIGUEIREDO e MÁRCIA IZABEL NUNES ALVES, devem ser afastados, porquanto, nesses casos, constam dos autos os respectivos instrumentos de cessão ou doação de serviços, pelos quais se demonstra com maiores detalhes a forma como o bem foi cedido ou os serviços prestados, assim como o período de realização, o que fornece elementos suficientes para possibilitar a mensuração do valor da doação, conferindo, assim, confiabilidade às contas prestadas. Tal entendimento está alinhado com o que se vem adotando nesta Corte Regional. Precedente. (RECURSO ELEITORAL n 060034768, ACÓRDÃO n 060034768 de 25/11/2021, Relator JOSÉ CARLOS DANTAS TEIXEIRA DE SOUZA, DJe de 29/11/2021, Página 03/06 ).
6. O precedente, por outro lado, não se aplica às outras duas doações estimáveis em dinheiro: a doação realizada por Lideilton Targino Bezerra, descrita como "contrato de doação de carro de som", e a realizada por Elvis Gregory Nunes Cabral, descrita como "contrato de doação de paredão de som", conforme se extrai do demonstrativo de receitas estimáveis em dinheiro de ID 10728425. Aquele caso, em específico, enfrentado no precedente, tratou da cessão de um imóvel cuja aferição do valor foi possibilitada por constar dos autos o instrumento particular de doação, além da escritura de compra e venda, na qual há entre outros elementos identificadores do bem, o seu valor venal.
7. No presente caso, ao menos em relação a essas duas doações estimáveis, não há sequer o instrumento de cessão do bem ou da prestação do serviço. Não constam, assim, dos autos, elementos mínimos que especifiquem com detalhes os bens ou serviços doados e o tempo que permaneceram a disposição do candidato durante a campanha eleitoral, o que inviabiliza a aferição do valor contábil das doações, obstando por completo o controle contábil pela Justiça Eleitoral. Essas irregularidades, ainda que de natureza grave, devem ser sopesadas com as demais, para se avaliar a repercussão no julgamento das contas.
8. O pagamento de dívida de campanha sem o trânsito na conta bancária específica e, ainda, ausente a formalização dos procedimentos para fins de assunção de dívida de campanha pelo partido político obsta o efetivo controle pela Justiça Eleitoral, com todos os instrumentos de que dispõe, notadamente aqueles disponibilizados pelo Sistema Financeiro Nacional, o que configura irregularidade de natureza grave, geradora de potencial desaprovação, a depender dos valores envolvidos.
9. Consoante entendimento sedimentado nesta Corte Regional, a ausência de documentos que comprovem a assunção da dívida de campanha pelo partido político constitui vício grave, por evidenciar a existência de despesas em relação às quais resta obstada a necessária fiscalização por essa justiça especializada, mas que pode ser mitigada em caso de valor ínfimo e de inexistência de má-fé. Precedentes deste Regional: REl 060027223, Relatora Érika De Paiva Duarte Tinoco, DJe de 29/03/2022, Página 03/04; REl 060028098, Relator Geraldo Antonio Da Mota, DJe de 21/03/2022, Página 05/06; REl 060051327, Relatora Adriana Cavalcanti Magalhães Faustino Ferreira, DJe de 07/10/2021, Página 12-13.
10. Quanto aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a Corte do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação, para aprovação das contas partidárias com ressalvas, quando presentes os seguintes requisitos: "i) insignificância, em termos absolutos ou percentuais, das irregularidades detectadas, quando comparadas com a totalidade de recursos movimentados pela agremiação; ii) falhas que não comprometam a confiabilidade das contas ou não prejudiquem /inviabilizem o seu controle pela Justiça Eleitoral; iii) ausência de má-fé da parte". Precedente: RESPE nº 42609, Rel Min. Jorge Mussi, DJE, Tomo 63, Data 02/04/2019, Pags. 62-63.
11. No caso, ainda que se afastem quatro doações estimáveis por estarem acompanhadas dos respectivos instrumentos de cessão ou de prestação de serviços, restam as duas já citadas doações como irregulares, que perfazem o valor glosado de R$11.400,00. Ademais, há o valor glosado de R$ 750,00 relativo à dívida de campanha não assumida pelo partido político, que somados aos anteriores resulta no valor total de R$ 12.150,00. Tal montante equivale a 10,26% dos recursos arrecadados para a campanha eleitoral (R$ 118,400,00), o que não pode ser considerado ínfimo tanto em termos absolutos quanto proporcionais, a impedir, pois, a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Sendo assim, a desaprovação das contas é medida que se impõe.
12. Desprovimento do recurso.
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