2.2.2. Doação estimável em dinheiro proveniente de fonte vedada
RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. PEITO PROPORCIONAL. CARGO DE VEREADOR. REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO OU GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS. ART. 30–A DA LEI N.º 9.504/97. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. AUTODOAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS POR DEPÓSITO BANCÁRIO, SEM OBSERVÂNCIA À REGRA PREVISTA NO § 1º DO ART. 21 DA RESOLUÇÃO TSE N.º 23.607/2019. POSSIBILIDADE DE RASTREAMENTO DA FONTE LÍCITA DOS RECURSOS NO CASO CONCRETO. GRAVIDADE NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELO ART. 30–A DA LEI DAS ELEIÇÕES. DESPROVIMENTO.
I. CASO EM EXAME
1. Recurso Eleitoral interposto pela Coligação Unidos pelo Trabalho (Republicanos/Avante/PDT/PSD, Federação PSDB/Cidadania) contra sentença que julgou improcedente representação fundada no art. 30–A da Lei nº 9.504/97, proposta em face de José Elânio Souza de Lima, vereador eleito no Município de Canguaretama/RN. A agremiação alegou captação ilícita de recursos, sob o fundamento de que o candidato teria realizado autodoação em valor superior ao limite legal, sem observar a forma prevista na legislação eleitoral. O juízo de primeiro grau entendeu que, embora presente a irregularidade formal, não restou configurada gravidade suficiente para comprometer a lisura do pleito, diante da comprovação da origem lícita dos recursos e da capacidade financeira do candidato.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a autodoação de R$ 5.000,00 realizada por meio de depósito bancário, e não por transferência eletrônica ou cheque nominal cruzado, configura captação ilícita de recursos nos termos do art. 30–A da Lei nº 9.504/97; e (ii) estabelecer se a irregularidade possui gravidade suficiente para ensejar a cassação do diploma e a declaração de inelegibilidade do recorrido.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A captação ilícita de recursos prevista no art. 30–A da Lei nº 9.504/97 exige, além da ilegalidade na arrecadação ou gastos de campanha, a demonstração de gravidade da conduta e má–fé do candidato, com potencial de comprometer a lisura, a moralidade e a igualdade da disputa eleitoral.
4. A inobservância do art. 21, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, que impõe a forma de transferência eletrônica para doações acima de R$ 1.064,10, não resulta, por si só, na configuração do ilícito eleitoral, se for possível comprovar a origem lícita dos recursos e a ausência de má–fé.
5. No caso concreto, conquanto inobservado formalmente o § 1º do art. 21 da Resolução TSE n.º 23.607/2019, não restou inviabilizado o rastreamento da origem dos recursos obtidos mediante o depósito bancário ora impugnado, já que o representado, ora recorrido, demonstrou ter sido a receita proveniente da percepção de rendimentos, a título de honorários como autônomo, declarado por contador, bem assim de rendas auferidas no mercado livre, além da Ata Notarial que transcreve conversas de WhatsApp com clientes e funcionários, ele como microempresário local, o que demonstra fluxo de caixa constante e perfeitamente compatível, afastando dúvidas quanto à capacidade financeira e à licitude da origem dos recursos.
6. Ressalte–se que esta ata notarial não fora considerada no julgamento da prestação de contas de campanha, pois juntada apenas com os embargos de declaração, diferentemente deste processo em que foi juntada tempestivamente.
7. Destaque–se que, não obstante os argumentos aduzidos de que não foi comprovada a origem lícita do depósito realizado, o acervo probatório e seu contexto revelam a ausência de má–fé, aliada à capacidade financeira do recorrido para que não se reconheça a gravidade da conduta exigida pelo regramento eleitoral.
8. Nesta esteira, o fato de o valor captado mediante o aludido depósito bancário superar em 46,88% (quatrocentos e sessenta e nove vírgula oitenta e oito por cento) o limite de R$ 1.064,10 (um mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), ou ainda corresponder a um montante significativo, em termos percentuais (57%), frente ao total de recursos arrecadados pela candidatura, não possui relevância para o desfecho da presente demanda, posto que não obstado, a meu ver, no contexto dos autos, o conhecimento da fonte lícita da receita por ele arrecadada, afastando–se, assim, a gravidade necessária à configuração do tipo previsto no art. 30–A da Lei n.º 9.504/97, demovendo, por consequência, qualquer mácula relativamente à lisura, higidez e transparência da campanha eleitoral.
9. Vale salientar, por oportuno, que a autodoação financeira mediante depósito bancário aqui impugnada também foi objeto de apreciação por ocasião do julgamento da conta de campanha do recorrido, relativamente ao cargo proporcional postulado nas Eleições 2020, oportunidade em que a falha ocasionou a desaprovação contábil. Contudo, não existe vinculação entre o resultado da prestação de contas de campanha e a configuração do ilícito previsto no art. 30–A da Lei n.º 9.504/97, por corresponderem a âmbitos de análise diversos.
10. De outra banda, aplica–se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no sentido de que a sanção deve ser proporcional à gravidade da conduta, em sintonia com a lesão que, porventura, venha a incidir sobre o bem jurídico protegido, que, no caso em apreço, não se verificou.
11. O precedente citado pela recorrente (TSE, ROE 0601627–96.2018.6.20.0000) não se aplica ao caso, dada a diferença de valores envolvidos e a inexistência, no presente feito, de dúvidas quanto à titularidade e origem dos recursos.
12. Ausentes, portanto, a gravidade e a má–fé exigidas para aplicação das sanções previstas no art. 30–A da Lei nº 9.504/97, é de se manter a sentença que julgou improcedente a representação.
IV. DISPOSITIVO E TESE
10. Recurso não provido.
Teses de julgamento:
1. A configuração do ilícito previsto no art. 30–A da Lei nº 9.504/97 exige prova robusta de arrecadação ou gasto ilícito de recursos com gravidade suficiente para comprometer a lisura do pleito.
2. A inobservância formal do art. 21, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, quando, dentro dos contexto dos autos, não compromete a rastreabilidade dos recursos e não evidencia má–fé, não configura captação ilícita.
3. A comprovação da origem lícita dos recursos e da capacidade financeira do candidato afasta a tipificação do ilícito eleitoral, ainda que haja desaprovação de contas no âmbito contábil.
Dispositivos relevantes citados:
Lei nº 9.504/1997, arts. 30–A e 23, § 2º–A; Resolução TSE nº 23.607/2019, art. 21, § 1º; LC nº 64/1990, art. 22.
Jurisprudência relevante citada:
TSE, REspEL nº 060050175, Rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJe 02.09.2024;
TSE, ROE nº 0601627–96.2018.6.20.0000, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 28.10.2020;
TRE/RN, RE nº 0600394–92, Rel. Des. José Carlos Dantas Teixeira de Souza, DJe 10.05.2022;
TRE/RN, REsp nº 060169944, Rel. Des. Adriana Cavalcanti Magalhães Faustino Ferreira, DJe 24.05.2023.
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